Amor aos quadradinhos: uma rede inesgotável – Pela Pediatra Vera Silva

Cada vez que alguém nasce a rede do pescador cresce em tamanho. Que rede e que pescador? Bem, isso depende de cada opinião. Parece estranho falar desta forma, mas sinceramente é um desafio definir o que é o amor e por esse motivo imaginei que pudéssemos ser uma rede infinita de linhas que se cruzam e voltam a cruzar-se, que se encontram e desencontram, que caminham lado a lado ou que seguem trajetos diferentes. Visto desta forma, sim… o amor é uma rede. Nada tem de rede social, apenas um entrançado de linhas que desenham o Universo. Cada cruzamento das linhas é um pontinho de luz que corresponde a cada um de nós e que de forma mais ou menos estranha e desconhecida nos mantém conectados, linha a linha. Quem tece esta rede? Pouco interessa a origem (entraríamos em questões religiosas que apenas dizem respeito ao que o Homem cria), o caminho é que pode ser fantástico se assim o intencionarmos.

Cada vez que penso em ti, de alguma forma tu passarás por uma experiência que te fará recordar de mim. Estamos conectados por essas linhas invisíveis, desconhecidas, loucas, mas que para mim existem. As crianças são exímias neste aspeto, pois o entrançado de linhas que desenham é ilimitado. À medida que vamos crescendo parece que colocamos alguns limites nesse entrançado e escolhemos com quem nos cruzamos, com quem continuamos ou quem deixamos. Verdade, verdade é que o nosso livre arbítrio deixa muito a desejar. E as crianças sabem bem disso, pelo que mantêm o entrançado da rede sem lhes tocarem. Aceitam apenas os cruzamentos que se vão fazendo e sem grandes escolhas deixam ficar ou ir o que tiver que ser. É o que é. Ser criança torna tudo tão simples, até esta questão do amor.

Imagino esta rede que construímos conjuntamente como uma cola que nos une e isso para mim é o amor. Por exemplo, se as nossas células não tivessem tecido conjuntivo em seu redor talvez andasse cada uma para seu lado, mas o que é facto é que se mantêm juntas e com isso constroem os órgãos, sistemas, o corpo e funcionamos. Quando de alguma forma a cola que nos une no Universo, a tal rede, se quebra, sofre roturas, o corpo recebe a informação e as células que estavam tão organizadas na sua construção amorosa, podem desorganizar-se. Surge a memória corporal que se pode transformar em doença. Parece loucura, mas talvez seja como se diz “de médico e de louco todos temos um pouco”. Ao longo da nossa vida vamos vivendo momentos mais ou menos intensos do ponto de vista emocional. Se o stress que vivenciamos nesses momentos entra em estado de resistência, o nosso corpo aguenta até uma certa fase, porque a dada altura a curva que se mantinha firme começa a decair e passamos abaixo da linha de água e adoecemos. O stress transformado em memória corporal e manifestado na forma de doença. Haverá com certeza forma de voltar para trás, mas algum dano o organismo sofreu e dificilmente regressa ao que era. Podemos também dizer que aprendeu… Bom, muitas opiniões se poderão formar.

O que é facto é que as crianças também adoecem e também passam por situações de stress e também têm memória corporal, que está em construção, mas que também já existe. Muitas vezes a criança funciona como um elemento de descarga de stress do adulto e em vez de ser este a ficar em modo de resistência, é a criança que fica, até ao ponto no qual o seu organismo não aguenta mais e adoece. Loucura novamente… para alguns. Felizmente que temos muitos opiniões pois isso faz-nos transformar o que somos e sem fundamentalismos aceitar que tudo é possível. Afinal não há certos nem errados nesta rede inesgotável de Amor aos quadradinhos.

Vera Silva