COVID-19 e o Infantário: um trabalho de equipa – pela doutora Vera Silva – pediatra

“O uso da máscara por parte da criança não deverá ocorrer por vários motivos entre os quais podem destacar-se: o risco de asfixia; e se a criança toca em tudo e dificilmente se controla o toque entre colegas, o uso da máscara é subjetivo; para além da criança se movimentar muito mais e com a máscara não irá oxigenar tanto.”

As crianças são o que de melhor temos, pelo menos penso assim. Protegemo-las a qualquer custo. O que é facto é que vivenciamos uma época que saiu fora do nosso controlo. É bem mais difícil defendermo-nos do agressor quando não o vemos. E neste caso é invisível aos nossos olhos, mas visível nas consequências.

Como proteger a criança de algo que nós próprios conhecemos muito pouco? O exemplo e o trabalho de equipa talvez sejam a melhor forma de encontrar um caminho mais certeiro no combate à infeção no contexto de infantário.

Os sintomas COVID-19 são semelhantes na criança e no adulto: febre, dificuldade respiratória e tosse podem estar presentes nas várias faixas etárias. A diarreia e os vómitos assim como dores de cabeça também têm sido reportados. No entanto, na criança ocorrem frequentemente sintomas ligeiros como: corrimento nasal, tosse, febre. Estes sintomas são extremamente comuns nesta fase do ano que estamos a entrar – outono e inverno, sobretudo se a criança frequenta o colégio. Outros vírus poderão dar origem a quadros clínicos semelhantes à COVID-19, como é o caso do vírus da gripe, vírus responsáveis por constipações ou bronquiolites. Todo este conjunto torna o diagnóstico diferencial extremamente difícil. No caso da criança a febre é o sinal mais comum a quase todas as doenças características da infância. A febre pode também ocorrer na sequência de erupção dentária ou da administração de vacinas. Convém apelar ao bom senso e também ao respeito por normas de cumprimento simples como a lavagem e desinfeção das mãos – é básico. Apelar ao bom senso será ter os cuidados necessários em torno da criança como evitar frequentar locais com aglomerados populacionais, como restaurantes, centros comerciais ou hipermercados por exemplo. É impossível controlar tudo aquilo em que a criança toca e após tocar levar as mãos à boca. Por parte da família é essencial proteger a criança destes contextos. Obviamente a maioria das crianças frequentam o infantário. E aqui colocam-se múltiplas questões: os cuidados do colégio serão os adequados? Há desinfeção? Os cuidadores usam máscara? Entre outras tantas questões que se podem levantar. Perante a grande responsabilidade de cuidar de crianças, é claro para todos que os colégios deverão tomar as medidas básicas à proteção da saúde da criança e também dos funcionários. O uso da máscara por parte da criança não deverá ocorrer por vários motivos entre os quais podem destacar-se: o risco de asfixia; e se a criança toca em tudo e dificilmente se controla o toque entre colegas, o uso da máscara é subjetivo; para além da criança se movimentar muito mais e com a máscara não irá oxigenar tanto. Obviamente a situação não é linear, nem tranquila, mas confiar e trabalhar em equipa com o colégio é importante. Se todos remarem para o mesmo lado conseguimos um grau de proteção superior.

Outra questão que se coloca: se há febre no colégio o que fazer? Bem, antes de mais deve-se aliviar o quadro clínico de febre com antipiréticos autorizados pelos pais. Entrar em contacto com os pais e linha de SNS24 é importante para uma orientação, porque como se referiu anteriormente nem tudo é COVID-19, mas o diagnóstico diferencial carece de muito apoio. O contacto dos pais com o médico assistente da criança também é importante já que este conhecendo o histórico da criança, contexto familiar e tendo acesso ao contexto epidemiológico poderá no seu conjunto reunir condições para ir apoiando os pais até a situação estar esclarecida. Esta situação da criança com febre é bastante delicada, já que obstruir os serviços de urgência com situações de febre que não necessitam do mesmo é um contributo para desequilibrar por completo o sistema de saúde que já está a trabalhar no seu limite. Pelo que este apoio prévio e trabalho de equipa entre o colégio, família, SNS24 e médico assistente é muito importante. Obviamente e como já se fazia anteriormente, ou pelo menos se deveria fazer, a criança regressa ao infantário com uma declaração médica em como pode frequentar o mesmo. Situação complicada, esta, sobretudo se a criança não foi observada pelo médico, ou mesmo sendo observada se não se encontrar motivo para a febre o risco comunitário da criança regressar ao colégio é grande. E entramos na parte complicadíssima: a abstenção laboral. Como é que se gere isto quando a criança está doente? Aqui entra no trabalho de equipa a entidade patronal. Todos os que têm filhos compreendem que atravessamos uma fase repleta de dúvidas, medos, angústias sobretudo para com aqueles que amamos e os nossos filhos são tudo para nós.

Protegê-los é ponto assente, pelo que a casa nunca se começa pelo telhado. Se não cumprirmos as regras básicas de segurança nesta fase não poderemos exigir ao outro o que não fazemos. O exemplo deve sempre ser dado de pais para filhos, de entidade patronal para funcionário, de governantes para a comunidade. Aprende-se mais pelo exemplo que pelas palavras e esta fase exige a colaboração de todos.